Há pouco menos de 3 mil anos
um cego escreveu dois livros: a Ilíada e a Odisséia.
Nos séculos XVII e XVIII surgiu a ideia de que isso não podia ser verdade, que
os poemas homéricos eram reuniões de cantos populares muito mais recentes, que
Homero não era uma pessoa. Nessa mesma sequência se afirmou que os Evangelhos
eram todos apócrifos, obras do segundo e terceiro séculos. Depois veio a
correção dos métodos científicos, que demonstraram que a escrita era corrente
na Ásia Menor desde os tempos da Guerra de Tróia, e que a unidade dos dois
livros fundadores da literatura ocidental era tal que se chegou ao extremo de
imaginá-los como obras inteiriças de 12 mil ou 15 mil versos, em vez de
coleções de cantos de 300 ou 400 versos.
No
caso dos Evangelhos, a descoberta dos documentos do Mar Morto tem recuado sua
datação para o primeiro século, nos revelando que o autor do Apocalipse era
mesmo o “discípulo amado”. As palavras tinham sido gravadas, não havia somente
uma tradição oral, por mais forte que fosse esta.
Quando
as expedições de Schliemann descobriram Tróia, não havia uma cidade, mas uma
sucessão de cidades. A cidade perecera, não era imortal. Mas a descrição que
Homero fizera de sua localização permitiu sua redescoberta. Homero e os livros
são imortais.
A
leitura e a escrita caminharam. A cópia era uma arte, os livros, as bibliotecas,
preciosidades. Até a revolução de Gutemberg. Com a imprensa, começaria a
difusão do conhecimento e, pouco a pouco, o ler e o escrever foram se
encontrando.
Esse
longo passo da difusão da cultura oral para a difusão da cultura escrita levou
25, 30 séculos. De repente, com a televisão e o computador, estamos criando
gerações que, no espaço de uma vida, passam da cultural oral diretamente para
uma nova forma de cultura, a visual.
Como
nos tempos pré-históricos as pinturas representavam a caça, a vida e a morte,
cenário de um ritual, a televisão nos mostra imagens abstratas de bombardeios.
A morte, a violência são apreendidas como mitos distantes, catarse do
quotidiano. É impossível compreender.
A
televisão também a toda hora nos mostra a criança que mal sabe falar mas sabe
“clicar o mouse” para “navegar na internet”. Dominado pelo efêmero, pelo
instantâneo, o computador – e sou um viciado usuário – não fixa conhecimento
como a escrita. Não é nova a verificação de que as informações registradas
pelos computadores, ante a sucessão de programas e linguagens informáticas,
tornam-se ilegíveis em poucos anos, inclusive pelo desaparecimento de
equipamentos que tenham a capacidade de ler os “arquivos” armazenados.
Mas
o próprio Bill Gates chamou a atenção para que é preciso saber ler e escrever
para criar o computador. O caminho para a civilização passa pelo livro. O livro
abre a porta do conhecimento, da ciência, da arte. O livro transforma o efêmero
em permanente, o humano em imortal.
É
preciso garantir o acesso de todos ao livro, viabilizar as bibliotecas e a
indústria do livro. Com esta religião apresentei ao Congresso, quando no
exercício do mandato de senador, tendo a cultura como a minha causa
parlamentar, um projeto que criou uma política nacional do livro, colocando-o
no seu altar devido.
Ele
deve ser salvo, para que não se torne uma façanha mitológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário