Mãe de autista chama a atenção
para o descaso do poder público e cobra do prefeito e do governador políticas
públicas de inclusão e atenção aos portadores do transtorno
Por Poliana Gatinho
Senhores,
Meu nome é Poliana Silva
Gatinho, mãe de João Lucas (2 anos), que em agosto de 2017 foi diagnosticado
como portador de TEA (Transtorno do Espectro Autista), um transtorno
neurológico que afeta o desenvolvimento ainda na primeira infância e compromete
três grandes áreas: interação social, comunicação e comportamento.
No fim dos anos 80, uma a cada
quinhentas crianças era diagnosticada com autismo. Hoje, a proporção é de uma
para cada 68. O significativo aumento chamou atenção até da ONU (Organização
das Nações Unidas), que classificou o distúrbio como uma questão de saúde
pública mundial. Essa qualificação da ONU
possibilita maiores investimentos do poder público no tratamento e acolhimento
dos autistas.
A medicina e a ciência de
um modo geral sabem muito pouco sobre o autismo, descrito pela primeira vez em
1943 e somente em 1993 incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID
10) da Organização Mundial da Saúde, como sendo um transtorno invasivo do
desenvolvimento. Muitas pesquisas ao redor do mundo tentam descobrir causas,
intervenções mais eficazes e a tão esperada cura.
Atualmente diversos tratamentos
podem garantir qualidade de vida à pessoa com autismo.
No Brasil apenas em 2012, após
2 longos anos de luta de uma mãe de autista chamada Berenice Piana, foi
sancionada a lei Nº 12.764, finalmente reconhecendo o autismo como uma
deficiência e instituindo a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista. Antes dessa lei, o autista ficava à margem
das políticas públicas e nem era considerado uma pessoa com deficiência.
Nós, pais de autistas, temos
lutado para que o Brasil possa caminhar rumo à inclusão dessas pessoas especiais,
que precisam ser olhadas com todo o cuidado que sua condição requer.
Infelizmente, ainda estamos longe de um olhar institucional. Até a escola,
responsável não apenas por educar, como também socializar, está completamente
despreparada para receber essas crianças.
Penso que se cada político
tivesse ao menos 1 filho com alguma necessidade especial, certamente teríamos
um País mais humano e plural. Fala-se muito em empatia, mas é notório que
só se consegue entender as dificuldades das pessoas com necessidades especiais,
quando se faz parte dessa comunidade, quando se sente o problema na pele.
Senhor governador, senhor
prefeito,
O Governo tem trabalhado ações
pontuais que sem dúvida ajuda no processo de inclusão. Em 2017 inaugurou a casa
Ninar e o Centro de Reabilitação do Olho D’água. A Prefeitura também avançou.
Em fevereiro de 2018 inaugurou o Centro Dia para Crianças com Deficiência.
Ações boas e importantes, porém, a Ninar tem como púbico alvo crianças com
microcefalia, O CER do Olho Dágua tem vaga para autistas, mas fica-se numa fila
de espera sem perspectiva alguma de início do tratamento.
Assim que tive o diagnóstico do
meu filho, em agosto de 2017, de pronto fui até o CER do Olho d‘Água e o
cadastrei. Já se passaram oito meses de espera e nada, o que aumenta a minha
angústia, porque a intervenção precoce pode dar mais chances de a criança ter
uma vida razoavelmente normal.
Meu filho enfrenta problemas,
que vão desde a qualidade de sono, de alimentação, de percepção e tantas outras
dificuldades que só vendo pra crer. As estatísticas apontam que mais de 90 por
cento de crianças nessa situação estão nas escolas, nos lares sem
diagnóstico, quem sabe até apanhando, sendo rejeitadas, porque algumas
crises podem ser comparadas a birras e famílias sem um bom nível de informação
podem não saber como lidar com esses anjos.
É inadiável ter um local de
acolhimento para elas. Como virei uma pesquisadora inveterada, descobri que
justamente na cidade onde mora a co-autora da Lei do Autismo, Berenice Piana,
Itaboraí-RJ, já existe uma clínica-escola para autistas, com o propósito de dar
o diagnóstico precoce, que é um direito assegurado na lei, e preparar o autista
para enfrentar as suas dificuldades.
A intenção do projeto da
clínica-escola não é segregar, mas preparar aquela criança para frequentar uma
escola regular, e também através dela poderão ser realizadas palestras,
oficinas, seminários e todo o planejamento necessário para a efetivação na prática
da Lei 12.764.
Senhor Flávio Dino,
Encheu-me de esperança a
inauguração do Centro Dia, porém fui até lá e entendi que autistas não
são o público prioritário, e sim portadores de microcefalia. Além do que o foco
do programa é apenas a recreação e o acolhimento, que também são importantes,
mas não trabalha com terapias.
Depois que descobri a
clínica-escola de Itaboraí-RJ, já até me imaginei morando naquela cidade e pela
primeira vez, nessa minha jornada de 34 anos de vida, senti a necessidade de
sair do Maranhão, pra ter um lugar onde meu filho possa receber o tratamento
apropriado. Mas aí pensei: nasci no Maranhão, João nasceu no Maranhão, é
aqui que temos que lutar para que nossos direitos sejam assegurados. Lutar por
João é lutar também por cada autista, com direito a tratamento justo, como
qualquer cidadão em necessidade.
Senhores Flávio Dino e Edivaldo
Junior,
Precisamos de uma política
pública de inclusão séria e peço uma atenção especial ao autismo, justamente
por tudo que já relatei. Itaboraí é referência no tratamento aos
autistas, é uma cidade de pouco mais de 200 mil habitantes, sua moradora
ilustre a senhora Berenice Piana não daria conta sozinha de montar e estruturar
um projeto desse porte, só aconteceu porque o gestor municipal entendeu a necessidade
e está tratando a política de inclusão de autistas com a urgência e cuidado que
o problema requer.
Assim como Itaboraí tem a
Berenice ,o Maranhão tem pais lutadores que podem dar as mãos e seguir nessa
caminhada, dos quais cito dois, para quem tiro o chapéu, pois saíram do luto e
abraçaram a luta: William Gomes, que em 2006, devido às necessidades do seu
filho, ajudou a fundar a AMA( Associação Maranhense dos Amigos do
Autista); e Luise Winkler Mattos, que em 2012, também após o diagnótico de seu
filho, criou o grupo Ilha Azul, ambos têm se mobilizado e feito muito pelo
acolhimento dos pais, com palestras, orientações, projetos, mas tudo de forma
muito tímida, dentro de suas possibilidades.
Esses grupos, se contarem com o
apoio do poder público, podem, a exemplo do que acontece em Itaboraí, colocar o
Maranhão como referência para o Brasil e para o mundo, no tratamento do
autismo. Fica aqui o meu apelo não só aos senhores Flávio Dino e Edivaldo
Holanda, mas também aos pais de autistas, para que somem esforços conosco nesta
cruzada a favor de nossas crianças. Elas precisam de todos nós e também
representam o futuro.