Valquíria dos Santos vende mingau de milho na sua lojinha da periferia
de São Luis, mas no seu endereço “funcionava” uma empresa de vídeo fantasma
para onde o governador Flávio Dino destinou verbas de R$ 1,3 milhão na campanha
de 2014
Com um discurso centrado no combate à corrupção e privilégios, o
candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, vem cortando um dobrado para
explicar por que tinha uma funcionária em seu gabinete, Walderice Santos da
Conceição, que vende açaí na Vila de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), na hora
do expediente — popularmente conhecida como Wal do Açaí. No Maranhão, ISTOÉ
localizou outra Val, que deverá dar dor de cabeça a outro candidato, o
governador Flávio Dino (PCdoB), aspirante à reeleição. Valquíria dos Santos é
personagem de uma representação contra Dino que tramita na Procuradoria Geral
da República (PGR). De acordo com a denúncia, Dino teria utilizado uma empresa
de fachada para dissimular a destinação de R$ 1,3 milhão recebidos na sua
campanha para governador em 2014. As notas fiscais para justificar o pagamento
foram emitidas por uma produtora de vídeo que funcionaria num modesto sobrado
de um bairro da periferia de São Luís. No local, não funciona nem nunca
funcionou produtora de vídeo. O que lá existe é uma pequena quitanda, que vende
alimentos e onde, à noite, Valquíria, a Val de Flávio Dino, vende mingau de
milho. De dia, comercializa picolés.
Produtora
fantasma
A representação foi movida por
um blogueiro do Maranhão, Caio Hostílio, ligado ao grupo de José Sarney, cuja
filha, Roseana, disputa com Dino as eleições. Poderia ser mera querela política
local se não houvesse de fato elementos que apontam para irregularidades na
prestação de contas do governador. Na campanha de 2014, Dino apresentou à
Justiça Eleitoral duas notas para a empresa Aldo Oberdan Pinheiro
Montenegro–ME, um empreendimento com capital social de R$ 30 mil —, para
justificar o gasto de R$ 1,3 milhão feito junto à suposta produtora de vídeo.
Segundo a representação, no dia
9 de julho de 2014 o Comitê Estadual do PCdoB recebeu créditos da ordem de R$
1,3 milhão. No mesmo dia, o Comitê de campanha de Dino repassou igual valor à
empresa Aldo Oberdan por meio do pagamento de duas notas fiscais, uma de R$ 800
mil e outra de R$ 500 mil. Como endereço da empresa, constava o sobrado amarelo
no bairro Tirirical, na periferia de São Luis.
ISTOÉ esteve no local. Ali
moram pessoas humildes, e nenhuma delas sabe operar uma câmera de vídeo. Em vez
de produtora, o que existe ali é um pequeno comércio, que vende apenas produtos
enlatados, itens de limpeza, picolés baratos e água mineral. À noite, Valquíria
dos Santos, de 31 anos, a Val de Flávio Dino, a dona do comércio, aumenta sua
renda vendendo mingau de milho. Quando dá tempo, ela também faz churrasquinhos.
Val é conhecida na região. Não
como comunicadora, mas pelo sabor de seu mingau. Ela mora no sobrado desde
criança. Viu a localidade crescer e hoje está desempregada, motivo pelo qual
resolveu criar a pequena lojinha que toca com a mãe. Campanha política? Val
nunca fez. “Só vejo pela TV”, disse Val. Obviamente, ela não tem a menor ideia
do destino dos R$ 1,3 milhão que tinham como endereço uma firma “instalada” na
sua casa. “Se tivesse pelo menos uma parte desse dinheiro, eu não estaria aqui
com este comércio. Estaria em um spa, cuidando da beleza”, brincou Val, em
conversa com ISTOÉ.
Aldo Oberdan, pelo menos, é
alguém que existe, de fato. É funcionário do governo do Maranhão. Na época da
suposta contratação do serviço, recebia da Secretaria de Saúde do Maranhão um
salário de R$ 2,7 mil. Oberdan até faz vídeos para complementar sua renda. Não
para campanhas, mas de festas de aniversário e casamentos, por valores
irrisórios. Em sua defesa, Oberdan afirmou que, na realidade, emprestou o CNPJ
de sua empresa para outra pessoa, Carlos Miranda, empresário do meio de
comunicação que também já fez serviços para o governo maranhense. “Eu não sabia
que na época da campanha, eles (PCdoB) tinham feito um depósito no nome da
empresa”, explicou Aldo ao MP. “Não dei autorização para que meu nome fosse
usado dessa forma”, complementou.
O comitê estadual do PcdoB
destacou que o episódio “é mais um, dentre tantos outros, patrocinados pelo
grupo político que dominou por mais de 50 anos o Maranhão e que tenta macular o
processo eleitoral, em face da iminente derrota”. Pode até ser que o caso tenha
sido explorado pela família Sarney, mas está cada vez mais difícil para Flávio
Dino explicar por que a produtora da campanha foi parar na casa da Val, a moça
do mingau do bairro Tirirical.
A “laranja” do governador
> Segundo
denúncia, no dia 9 de julho de 2014, o diretório do PCdoB do Maranhão, que
patrocinava a candidatura de Flávio Dino, recebeu créditos de R$ 1,3 milhão. No
mesmo dia, repassou igual valor à empresa Aldo Oberdan Pinheiro Montenegro – ME
> A
empresa de Oberdan fazia vídeos de casamentos, mas nesse dia emitiu duas notas
fiscais para o comitê de campanha do PCdoB-MA: uma de R$ 800 mil e outra de R$
500 mil. Nas notas fiscais, o valor era referente ao pagamento de “produção de
material audiovisual para veiculação no horário eleitoral gratuito n rádio e
TV”
> À
Receita, a empresa disse funcionar no bairro Tirirical, periferia de São Luis,
mas na verdade lá funcionava e ainda funciona um mercadinho que vende mingau à
noite e sorvete e outros mantimentos de dia, pertencente à Valquíria dos
Santos, a Val de Flávio Dino.
Por IstoÉ
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