O pacote de
concessões lançado pelo governo é ambicioso, afirma o economista Gabriel
Galípolo. A dúvida é se haverá apetite do setor privado
O projeto de infraestrutura anunciado na terça-feira 7
pelo governo é ambicioso, afirma o economista Gabriel Galípolo, mas o apetite
do mercado é uma incógnita, tanto quanto a oferta de capitais com perfil apropriado.
Complicam o quadro as restrições impostas ao BNDES, quando bancos públicos semelhantes são
convocados no mundo todo para assumir a liderança dos investimentos no setor.
A possível entrada de empresas estrangeiras implica
descasamento de moedas e as autoridades têm duas alternativas para reduzir o
risco cambial das ingressantes. A primeira é a sua cobertura pelo Tesouro, com
a tomada de dívida em dólares, processo associado historicamente a várias
quebras do País.
A segunda solução é descarregar o risco cambial nas tarifas, indexando-as ao dólar, com
transferência do custo das desvalorizações do real para o consumidor. “A sombra
da dolarização alcança setores que não deveriam ser expostos a isso”, alerta
Galípolo, professor da PUC de São Paulo e sócio da Galípolo Consultoria, na
entrevista a seguir.
CartaCapital: Como o
senhor vê o plano de investimentos de 45 bilhões de reais em concessões e
privatizações anunciado pelo governo?
Gabriel Galípolo: A ampliação de
investimentos em infraestrutura é política central para a geração de emprego e
renda. O programa de concessões é ambicioso e envolve setores
estratégicos e relevantes. A dúvida que permanece é quanto ao apetite do
mercado remanescente e a oferta de capitais com perfil adequado a esse tipo de
investimento.
CC: Qual o contexto global do investimento em
infraestrutura?
GG: Segundo o último Fórum Econômico de Davos, o mundo necessita de
um acréscimo de 1,5 trilhão de dólares adicionais anuais em investimentos em
infraestrutura para cumprir o Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países
com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global e defender as
sociedades contra os impactos da mudança climática. Apenas 1,6% dos
aproximadamente 106 trilhões em fundos administrados por investidores
institucionais privados em todo o mundo está investido em infraestrutura.
Uma pesquisa recente com investidores indica o
desejo de 65% em ampliar a alocação de recursos em infraestrutura,
especialmente em países em desenvolvimento, mas há grandes resistências por
causa da percepção de risco, da baixa liquidez e do longo prazo de maturação
desses projetos. Como solução, muitas economias estimulam a atuação dos
bancos públicos e instituições financeiras multilaterais, para garantir oferta
de crédito no perfil e na quantidade adequados aos projetos. Portanto a
realização desses investimentos depende em grande medida da oferta de crédito
publicamente direcionado.
"Cada
vez mais o mercado financeiro demanda ativos com liquidez elevada e retornos
rápidos, o oposto do perfil dos investimentos em infraestrutura"
CC: Por que depende do financiamento público?
GG: Cada vez mais o mercado financeiro demanda
ativos com liquidez elevada e retornos rápidos, o oposto do perfil dos
investimentos em infraestrutura.
CC: Poderia citar exemplos de financiamentos de
infraestrutura por bancos públicos?
GG: A candidata Hillary Clinton se comprometera, durante a
campanha eleitoral, a criar um banco de financiamento de infraestrutura da
ordem de 200 bilhões de dólares e Trump disse que destinará 1 trilhão ao setor.
O Canadá anunciou a criação de um banco público de
95 bilhões de dólares para apoiar programas de transportes e de construção de
moradias sociais. O Banco Europeu de Investimentos tem sido capitalizado para
apoiar investimentos em infraestrutura.
O New Development Bank, do Brics, é voltado para a
mesma área, além de economia verde, e tem 50 bilhões de dólares para
financiamentos. O Asian Infrastructure Investment Bank atua na mesma direção.
Galípolo: projeto ambicioso |
CC: Qual a situação no Brasil?
GG: Por razões econômicas, financeiras e
jurídicas, a participação do BNDES, que sempre protagonizou o crédito para
infraestrutura, tem caído desde o começo da década. O desembolso, de 246
bilhões de reais em 2010, caiu para 88 bilhões em 2016, sua menor participação
no PIB nos últimos vinte anos. Na minha opinião, o BNDES desempenha papel
central para a retomada do crescimento.
CC: Qual o quadro dos investimentos em infraestrutura
no País?
GG: No Brasil, há mais três décadas investe-se pouco
mais de 2% do Produto Interno Bruto em infraestrutura, o
que gerou atrasos significativos. A situação se agrava quando consideramos a
conjuntura econômica de crise, com queda drástica da arrecadação fiscal, e a
existência de poucas alternativas de financiamento para a implantação desses
projetos.
No setor de transportes, países como Rússia, Índia,
China, Colômbia e Vietnã investem uma média anual de 3,4% do PIB apenas em
transportes, enquanto o Brasil investe 0,6%. Só em mobilidade urbana, o próprio
BNDES aponta a existência de um déficit de 1,6 mil quilômetros de vias em 15
regiões metropolitanas estudadas, o que demandaria um investimento de 234
bilhões de reais.
O Plano Nacional de Saneamento Básico prevê
investimentos de 274 bilhões para universalizar o serviço de água e esgoto até
2033. Hoje a cobertura com rede de água não chega a 100% da população
brasileira, menos da metade da população conta com serviço de esgoto, menos de
40% do esgoto gerado é tratado e a perda média de água no Brasil é de 37%.
Segundo o Soybean Transportation Guide:
Brazil 2014, publicado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos,
o Brasil precisa investir 400 bilhões para modernizar e expandir o sistema de
logística e transportes só para cumprir as normas mínimas. Infelizmente, o País
investe cerca de 15 bilhões por ano. A essa taxa, levará cerca de 30 anos para
atender a essa meta.
CC: Um dos problemas, dizem alguns, seriam as
intervenções desastrosas, antes do segundo governo Dilma, na área de energia.
Alegam também que a taxa interna de retorno estabelecida para os projetos foi
muito baixa. A causa disso seria um “ranço", por parte do PT, contra o
lucro, o que teria levado ao achatamento das margens fixadas. Esses seriam os
motivos de os projetos não darem certo.
GG: Na minha opinião, a tese da TIR baixa foi
refutada pela acirrada concorrência no certame licitatório, tanto de aeroportos
quanto de rodovias, que contaram com ágios de outorga elevados no primeiro
caso, e deságios significativos de tarifas no segundo. Ou seja, o mercado
não só achou que os projetos eram viáveis, como encontrou espaço para reduzir
sua receita, com o deságio nas tarifas nas rodovias, ou aumentar suas despesas,
os ágios nas outorgas nos aeroportos.
CC: Se as alegadas interferências na taxa interna de
retorno não afetaram a rentabilidade, por que esta se encontra comprometida?
GG: A rentabilidade das concessões está
comprometida pela reversão das expectativas. A partir do segundo trimestre
2013, a taxa básica de juros teve elevação de 96,5%, de 7,25% a 14,25%. A taxa
de juros de longo prazo foi elevada de 5% para 7,5%. Em fevereiro de 2013, o
Boletim Focus, que reúne as projeções dos “principais economistas do mercado”,
previa crescimento do PIB de quase 4% ao ano para 2014, 2015 e 2016.
Após o crescimento de 0,5% em 2014, a economia teve
dois anos consecutivos de retração de quase 4%. Comparando o terceiro trimestre
de 2013 e 2016, a Formação Bruta de Capital Fixo sofreu uma queda de 28%, o
consumo das famílias de 7% e o PIB de 7,8%. Se analisarmos o período de janeiro
de 2013 a junho de 2016, temos um crescimento de 31,21% dos preços
administrados.
Diante desse acentuado aumento de custos, mesmo em
um ambiente recessivo com queda do investimento e do consumo, é possível
inferir que o setor privado tentou repassar para os preços o aumento dos
custos, decorrente especialmente da desvalorização cambial de 47% e do choque
de preços administrados como energia elétrica, que cresceu 51%, o etanol
29,63%, o botijão de gás 22,55%, a gasolina 20,10%, em 2015.
Houve aumento de 29,32% dos chamados preços livres
e majoração de 30,23% do IPCA no período. O preço do cimento asfáltico de
petróleo, um dos mais importantes componentes da mistura usada na pavimentação
das estradas, cresceu mais de 90% entre 2013 e 2015.
CC: Qual o principal efeito dessas mudanças para as
concessionárias?
GG: Os contratos de infraestrutura apresentam
pesadas obrigações de investimentos concentrados no início. Não há a
possibilidade de evitá-los ou postergá-los, como no caso de outros setores não
regulados, ou mesmo do próprio governo que, de janeiro a agosto de 2015, investiu
20 bilhões de reais a menos do que no mesmo período de 2014, quando a economia
mais precisava desses investimentos.
O choque de juros, os preços administrados e a
queda na atividade econômica castigaram o fluxo de caixa desses projetos, que
sofrem com a mudança radical das condições econômico-financeiras.
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