Por: Eric
Gil
Segundo
a “historiografia oficial”, a Previdência Social brasileira tem início na
promulgação da chamada Lei Eloy
Chaves, de 1923, “que
cria, em cada uma das empresas de estrada de ferro existentes no país, uma
Caixa de Aposentadoria e Pensões para os respectivos empregados”.
Mas as primeiras experiências datam de um período anterior, ainda no século
XIX, como pode ser visto no livro “(Im)
Previdência Social: 60 anos de história”, de Jaime Oliveira e Sonia
Teixeira.
Desde
então a nossa Previdência resistiu à algumas ondas mundiais de neoliberalismo,
que exigia que a previdência mudasse da concepção de seguridade para a de
capitalização. Isto torna o nosso sistema previdenciário um dos mais “justos”
(apesar dos pesares!) da nossa região.
Mas
quando falamos da Previdência Social, qual é a dimensão desta política social?
Segundo
o Anuário
Estatístico da Previdência Social de 2015 (a publicação mais recente que temos
acesso) eram 32,66 milhões de benefícios ativos em dezembro daquele ano, com um
valor médio de R$ 1.101,13 mensais. A clientela urbana é esmagadora maioria,
71,3%, sendo os outros 28,7% no campo.
O
que isto significa? Se pensarmos nos efeitos diretos, contabilizando uma
família média brasileira, com 4 membros, isto poderia alcançar mais de 130
milhões de pessoas, o que significaria mais de 65% da população brasileira
daquele ano. Então estamos falando de uma reforma que atinge muito mais da
metade dos que moram em nosso país.
Okay,
alguns poderão dizer que aposentados (que é 55,6% dos “beneficiados”) não
sustentam outras três pessoas. Mas se ele não sustentar outras três pessoas
(apesar de muitos sustentarem sim, filhos e netos com uma mísera
aposentadoria), teríamos um outro efeito, que é o de que outras pessoas
(filhos, mais provavelmente) teriam que sustentá-lo. Então acho que esta conta é
muito plausível quando nos referimos aos efeitos diretos da aposentadoria.
Uma
reforma impiedosa
A PEC 287 é, em sua integralidade, maléfica aos
brasileiros. Mas destaco três pontos gerais desta reforma que são os piores:
(i) a idade mínima de 65 anos e 25 anos de contribuição (mas só com 49 anos pra
ter 100% do benefício); (ii) a unificação das idades para homens e mulheres, e
também para trabalhadores rurais; e (iii) a desvinculação do salário mínimo
para o caso de pensão por morte, o que possibilitará uma pessoa a receber
apenas 60% do valor (acrescido de 10% por cada dependente, até chegar os 100%).
Sobre
a idade mínima e o tempo de contribuição, muitos críticos à PEC já falaram. A
expectativa de vida de algumas regiões mais pobres, mesmo dentro de grandes
metrópoles (na periferia) nem sequer chega aos 65 anos, o que fará com que
muitos morram sem nem se aposentar. Já o tempo de contribuição de 49 anos para
conseguir a integralidade do benefício é ridículo. Para se aposentar aos 65
anos com 100% do benefício teremos que ter alguém que tenha trabalhado desde os
16 anos sem nunca ter deixado de contribuir um dia sequer (ou seja, sem nunca
ter sido demitido). Isto é uma realidade para algum dos mais de 200 milhões de
brasileiros? Eu chutaria que não, ainda mais numa época de alta rotatividade do
trabalho.
Já
sobre o segundo ponto, mais especificamente sobre igualar a idade mínima de
homens e mulheres, o recente estudo do Ipea já nos mostra que é de uma tremenda
injustiça.
A
pesquisa do Ipea –
a partir de dados da Pnad, do IBGE – demonstrou que as mulheres, por
conta da dupla jornada, trabalhavam 7,5h a mais do que os homens por semana.
Bem, vamos fazer alguns cálculos simples. Considerando 7,5 h a mais por semana,
teríamos que em 11 meses (considerando um mês de férias, que nem sempre é
verdade), então um ano de trabalho, as mulheres trabalhariam 359,5h a mais do
que os homens. Considerando isto, em 49 anos de contribuição previdenciária
(que será o mínimo para ganhar a integralidade), a mulher teria trabalhado 17,6
mil horas a mais do que os homens. Isto equivale a 2.202 dias a mais de jornada
de trabalho (de 8 h diárias e de 5 dias por semana), o que quer dizer que a
mulher teve 3,06 anos a mais de trabalho do que o homem. Além disto, temos que
considerar que o trabalho é mais intenso, pois é feito em um espaço de tempo
menor, o que deteriora ainda mais o corpo e a mente de qualquer ser humano. A
diferenciação de idade da aposentadoria não é só uma forma de tentar minimizar
o mundo machista em que vivemos, onde se joga uma carga
de trabalho monstruosa na mulher, mas é uma questão de sobrevivência da própria
mulher como trabalhadora.
Já
para o trabalhador rural é algo mais óbvio ainda. Quem consegue trabalhar no
campo até, no mínimo, os 65 anos? O efeito de propagação da miséria no campo
será devastador, o que fará crescer ainda mais a migração para as grandes
cidades, aumentando as favelas, pois quem migra totalmente desassistido tende a
reproduzir a pobreza da qual foge.
Por
fim, um benefício como a pensão por morte poder ser abaixo do salário mínimo é um enorme retrocesso. Quem consegue
viver com 60% do salário mínimo? Segundo o DIEESE, o salário mínimo de verdade deveria
ser, hoje, de R$ 3.658,72. Como alguém sobreviveria, então, com 60% de R$ 937,
que equivale a R$ 562,20? Creio que os deputados e senadores que votarão isto,
não. Muito menos Temer, que se aposentou
com mais de 30 mil reais aos 55 anos.
Bem,
se esta Reforma passar tenham certeza que a miséria brasileira irá se expandir, e muito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário