Levantamento de pareceres e manifestações dos Tribunais de Contas Estaduais e dos Ministérios Públicos entre os anos de 2013 e 2014 conclui que ao menos 17 governadores do Brasil praticaram pedaladas fiscais
A
adoção de malabarismos contábeis em que se baseou o pedido de
impeachment da
presidente afastada, Dilma Rousseff, não é
exclusividade do Governo federal. A Agência
Pública analisou
pareceres prévios dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), votos de alguns
de seus conselheiros e manifestações dos Ministérios Públicos de Contas (MPCs)
de 20 unidades da Federação, entre 2013 e 2014, e concluiu que, na
interpretação geral do conceito, pelo menos 17 Governos teriam praticado
pedaladas fiscais.
Por
não se tratar de um termo técnico, é difícil cravar o que é ou não uma pedalada
fiscal. De forma geral, as pedaladas são “mecanismos
utilizados pelo governo para maquiar as contas públicas” – como
definiu o conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Ceará, Paulo César de
Souza, na declaração de voto sobre as contas estaduais de 2014. Nos documentos
examinados pela Pública foram encontrados três tipos desses mecanismos: a
abertura de créditos adicionais de forma irregular, a maquiagem da meta fiscal
e o cancelamento de empenhos liquidados.
Segundo
análises de MPCs, de auditorias técnicas dos TCEs e de manifestações de
conselheiros dos tribunais, foram detectados problemas na abertura de créditos
adicionais nas contabilidade de nove governadores: Rosalba Ciarlini (DEM-RN),
Roseana Sarney (PMDB-MA), Ricardo Coutinho (PSB-PB), Tarso Genro (PT-RS), Beto Richa (PSDB-PR),
Siqueira Campos (PSDB-TP), Sandoval Cardoso (SD-TO), Sergio Cabral (PMDB-RJ),
Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ), Antonio Anastasia (PSDB-MG), Alberto Pinto
Coelho (PP-MG), e Sinval Barbosa (PMDB-MT). Em alguns casos, pela ausência de
autorização legislativa – o que foi apontado como pedalada no caso da
presidente, que agiu sem autorização prévia do Congresso; em outros, pela
inexistência de um limite para os créditos adicionais.
A
segunda pedalada consiste na violação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
através da maquiagem das contas públicas para forjar o cumprimento das metas
fiscais do governo ou através da aprovação irregular de Leis Orçamentárias
Anuais (LOAs).
Assim como Dilma, acusada de omitir
o passivo da contabilidade oficial, teriam incorrido nesta prática os
governadores Cid Gomes (PDT-CE), Marconi Perillo (PSDB-GO), Sergio Cabral
(PMDB-RJ), Sinval Barbosa (PMDB-MT) e Antonio Anastasia (PSDB-MG).
O
“cancelamento de empenhos
liquidados”, um termo complicado para explicar o popular “calote”, também é uma
forma de pedalar. O procedimento consiste em retirar das contas públicas o
registro de despesas sobre serviços já efetuados ou produtos já entregues, sem
pagar prestadores e fornecedores. Uma infração ao artigo 42 da LRF, que proíbe
a prática para evitar, em ano eleitoral, que resultados artificiais na
contabilidade gerem um rombo para os sucessores. Teriam cancelado empenhos já
liquidados os governadores Eduardo Campos (PSB-PE), Raimundo Colombo (PSD-SC),
Alberto Pinto Coelho (PP) e Renato Casagrande (PSB-ES).
O
atraso de repasses a bancos públicos responsáveis por pagamentos de programas
sociais, como oBolsa Família,
ou de linhas de financiamento, como o Plano Safra, é apontado
como a pedalada mais grave do Governo Dilma. Assim, instituições financeiras
teriam amargado meses de “pendura”, o que configuraria um empréstimo – e como
tal, ilegal. Mas, embora não envolvam bancos estatais, manobras semelhantes
teriam sido praticadas por Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e Agnelo Queiroz (PT-DF).
Ao
contrário de Dilma, porém, que em 2015
teve suas contas rejeitadas por unanimidade pelo Tribunal de Contas da União (TCU), as cortes estaduais
foram bem menos rigorosas no julgamento dos governadores. Nenhum deles teve a
contabilidade reprovada, apesar de manifestações neste sentido por parte de
alguns conselheiros solitários e dos Ministérios Públicos de Contas.
Dois pesos, duas medidas
Relator
do processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado Federal, Antonio Anastasia
(PSDB-MG) teve as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais
apesar de irregularidades cometidas no exercício de 2014. Não apenas por ele
mas também pelo vice Alberto Pinto Coelho (PP) – que assumiu quando o tucano renunciou,
em abril, para concorrer ao cargo de senador. Entre os problemas na gestão
mineira, está a abertura de créditos suplementares de valor superior ao dobro
do permitido na Lei Orçamentária Anual (LOA),
alcançando um montante R$ 15,51 bilhões.
Além
disso, como apontou o MP de Contas, irregularidades na própria LOA caracterizariam a abertura ilimitada
de créditos adicionais, o que é proibido pela Constituição. Outro problema
encontrado no estado foi o cancelamento de empenhos liquidados nos últimos oito
meses de mandato, uma espécie de maquiagem de R$901,4 milhões. O artigo 42 da
LRF proíbe o “pendura”
de contas para o primeiro ano do mandato seguinte sem a devida dotação
orçamentária. Ainda assim, os conselheiros do TCE-MG aprovaram as contas de
Anastasia. No entendimento deles, tudo não passou de “impropriedades e faltas
de natureza formal” sem dano aos cofres públicos.
No Paraná, o governador Beto Richa
(PSDB) também
apresentou uma LOA com irregularidades que permitiriam a abertura de créditos
ilimitadas, como foi ressalvado na aprovação de suas contas pelo TCE. A
irregularidade mais grave, porém, de acordo com o MP de Contas, foi a pedalada
na meta fiscal praticada pelo governador. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de
2014 previa um superávit primário de R$ 2,3 bilhões, que acabou se convertendo
em um déficit de R$ 177 milhões. Para deixar o resultado na legalidade, o
Governo conseguiu, com o apoio do Poder Legislativo, reduzir em incríveis R$
3,5 bilhões a meta de resultado primário em 2015 – e, assim, cumpri-la. Chama
atenção no texto do parecer prévio aprovado pela corte de contas paranaense,
que negou veementemente que o governador tenha pedalado, um trecho destacando
especificamente que as manobras do governador “em nada se parecem ou se
assemelham” com aquelas de Dilma Rousseff.
No Rio Grande do
Norte, o conselheiro Carlos Thompson Fernandes apontou
irregularidades nas contas da governadora Rosalba Ciarlini (DEM) referentes ao
exercício de 2013 utilizando argumentos semelhantes ao do parecer de Anastasia
sobre as contas de Dilma. “Restou
demonstrada a abertura de créditos adicionais suplementares e créditos
adicionais especiais sem autorização legislativa. (…) Tal prática, que
configura a utilização de créditos ilimitados, (…) incorre no crime de responsabilidade
contra a lei orçamentária do art. 10, item 6, da Lei n 1.079/1950 [a Lei do
Impeachment]”, escreveu o conselheiro. Somados os dois tipos de
créditos – suplementares e especiais –, o valor alcançado foi de R$ 1,097
bilhão.
Apesar
do voto de Thompson, a contabilidade de Rosalba foi aprovada com recomendações
e ressalvas – espécies de “puxões de orelha” que se repetem anos a fio sem
quaisquer consequências ou punições aos gestores.
No Maranhão, também em 2013,
a governadora Roseana Sarney (PMDB) também abriu créditos suplementares sem a
autorização do Poder Legislativo, de acordo com o Ministério Público de Contas.
O valor das movimentações, de R$ 6,4 bilhões, supera o autorizado na Lei
Orçamentária Anual, o que é vedado pela LRF. Embora o relator do julgamento
pelo Tribunal de Contas, conselheiro Álvaro Ferreira, tenha incorporado as
observações do MP, não há menção ao fato no texto final, que aprovou a
contabilidade da peemedebista. No parecer prévio constam apenas recomendações
gerais ao Governo.
Na Paraíba, em 2014, Ricardo
Coutinho (PSB) abriu créditos extraordinários de R$ 378,7 mil por meio de
medida provisória, portanto sem prévia autorização legislativa. Além disso,
apontaram os auditores do Tribunal de Contas do estado, a Constituição Federal
só permite a abertura de tais créditos em casos “imprevisíveis e urgentes, a exemplo daquelas ocasionadas
por guerra, comoção interna ou calamidade pública”. Somada a outras
irregularidades, como o descumprimento dos investimentos mínimos
constitucionais em saúde e educação, a pedalada levou o MP de Contas a emitir
parecer contrário à aprovação das contas de Coutinho. O Tribunal de Contas da
Paraíba multou o governador em R$ 7 mil, mas findou por aprovar a
contabilidade.
No Rio Grande do
Sul, de acordo com o relatório do corpo técnico do Tribunal de
Contas de 2014, Tarso Genro (PT) contrariou a Lei de Finanças Públicas (Lei 4.320
de 1964) que
estabelece: “a abertura dos
créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos
disponíveis”, proveniente de fontes como o “excesso de
arrecadação”. Os decretos assinados pelo petista se embasaram em “previsão de
arrecadação” – o que não passa de uma “suposição”, como apontou o relatório.
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Por
este e outros motivos – entre os quais a criação de obstáculos à devida análise
da contabilidade –, o MP de Contas opinou pela emissão de parecer prévio
desfavorável às contas, mas elas acabaram aprovadas por unanimidade pelos
conselheiros do TCE-RS.
Outro
que foi vencido pela maioria dos colegas, o conselheiro substituto do Tribunal
de Contas doCeará,
Paulo César de Souza, votou pela reprovação das contas de 2014 de Cid Gomes
(PDT). Entre os principais motivos, está a metodologia utilizada pelo Governo
estadual para demonstrar o atingimento de superávit primário de R$ 347,7
milhões naquele ano, quando outra metodologia – definida no Manual de
Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional – resultaria em um
déficit primário de R$ 1,5 bilhão.
“Não há que se falar em cumprimento das
metas estabelecidas se o próprio cálculo da meta não é claro ou não traduz a
realidade”, frisou Souza. Uma comissão técnica do Tribunal de
Contas do Cearáapontou ainda o
emprego de metodologias semelhantes no Maranhão e em Pernambuco, além do
Governo federal.
Em Pernambuco, ainda na
gestão do falecido governador Eduardo Campos (PSB), o cancelamento de 678 empenhos
liquidados no apagar das luzes de 2013 fez com que $ 395,2 milhões de despesas
sumissem da contabilidade estadual. Com isso, a diferença entre receitas e
despesas – chamada de resultado primário – teve um ligeiro alívio, sendo o
déficit resultante reduzido de cerca de R$ 1,5 bilhão para R$ 1,2 bilhão. Campos foi outro que teve as contas aprovadas
sem quaisquer ressalvas – defendidas por dois dos cinco conselheiros. O
argumento para não ressalvar a chancela às contas consiste em dizer que a
manipulação foi feita por um misterioso usuário não identificado, o CTB-BACTH,
e não pelo governador.
Já
as contas de 2014 do governador catarinense Raimundo Colombo (PSD) foram
aprovadas, mas com ressalvas pelo descumprimento de metas de resultado
primário, além daquelas de despesa total, nominal e da dívida consolidada
líquida, “revelando um
planejamento orçamentário não condizente com uma política de gestão fiscal
responsável”. Tal qual em Pernambuco, o
cancelamento de despesas liquidadas em Santa Catarina, “sem controle que possibilite a
transparência do procedimento”, na ordem de R$ 1,3 bilhão, foi
apontado com prejudicial à confiabilidade dos dados contábeis apresentados pelo
Governo.
O Artigo 42
Outro
ponto grave apontado na contabilidade dos governadores Beto Richa e de Cid Gomes foi a falta de
demonstração clara do cumprimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF),
que impede o descontrole dos gastos nos últimos meses de mandato. “Para a [conselheira] relatora, o
desvio da norma do art. 42 imporia a rejeição das contas. Todavia, considerou
que a omissão de dados e informações impede esse desfecho. Com as vênias
devidas, não concordo”, pontuou o conselheiro Souza em seu voto
pela condenação das contas do Ceará. “A
omissão em fornecer dados pode servir para encobrir descumprimento da norma e,
consequentemente, evitar as sanções legais. (…) Ou seja, todas as vezes que
houver fuga da norma, basta a negativa de entrega dos dados para que o órgão
fiscalizador fique inoperante”, protestou.
O
artigo 42 da LRF também está no centro do debate sobre as pedaladas de Marconi
Perillo (PSDB-GO). O governador teve a contabilidade posta em xeque pelo MP de
Contas devido ao rombo de R$ 1,49 bilhão na conta centralizadora do Estado de
Goiás – que agrupa 120 contas de secretarias, agências, fundações, autarquias,
estatais, fundos especiais e empresas públicas. Embora o “empréstimo” pelo
Tesouro goiano seja permitido excepcionalmente, somente em 2014 – ano em que
Perillo se reelegeu – o saldo negativo foi aumentado em R$ 633,9 milhões. Além
disso, o Estado deixou de distribuir R$ 149 milhões de rendimentos a diversos
órgãos e entidades, elevando a dívida do Tesouro para com a conta
centralizadora para R$ 1,6 bilhão.
O
corpo técnico do Tribunal de Contas estadual apontou que, embora o tucano tenha
cumprido as determinações do artigo 42, o feito só se deu pela apropriação dos
recursos da conta centralizadora e de seu “catastrófico aprofundamento” em
2014. Para os auditores do TCE, desconsiderada a pedalada, Perillo teria
incorrido em “flagrante descumprimento” do artigo 42 e em crime contra as
finanças públicas. O entendimento dos conselheiros do Tribunal foi outro,
entretanto, e a contabilidade do Governo estadual foi aprovada com ressalvas.
Mas a independência da corte de contas foi questionada recentemente, após a divulgação de uma conversa que mostra uma espécie de aliança
entre Perillo e o conselheiro Edson Ferrari.
A
análise das contas de Luiz Fernando Pezão e Sérgio Cabral (PMDB-RJ) de 2014
pelos auditores do TCE do Rio de Janeiro concluiu que o artigo 42 da LRF foi
descumprido em R$ 1 bilhão devido a despesas contraídas nos últimos meses do
exercício sem que houvesse a necessária disponibilidade financeira. O rombo
também acarretou no descumprimento das metas de resultado primário e nominal. O
Governo alegava ter alcançado R$ 122,7 milhões de superávit, mas subtraídas as
despesas irregulares o resultado se revelou, na verdade, um déficit de R$ 878
milhões.
O
corpo técnico do TCE-RJ apontou ainda descumprimento às normas do Manual de
Contabilidade Aplicada ao Setor Público, da Secretaria do Tesouro Nacional, o
que pode ser considerado como tentativa de maquiagem das contas públicas. “Os fatos apurados demonstram que os
resultados dos demonstrativos contábeis e fiscais encaminhados a essa Corte, e
divulgados para a sociedade, não são fidedignos, uma vez que os valores das
obrigações assumidas pelo Governo não espelham a realidade”, diz o
texto.
O
Governo do Rio de Janeiro também utilizou artifícios na Lei
Orçamentária Anual para abrir créditos adicionais ilimitados em áreas
específicas, como pagamento de pessoal, encargos sociais, inativos,
pensionistas, entre outras. “Desta
forma, se está permitindo a abertura ilimitada de créditos suplementares,
podendo o orçamento inicial aprovado ser totalmente alterado sem que haja
necessidade de nova autorização legislativa”, diz o relatório, que
conclui ter havido desrespeito à Constituição Federal. Apesar da recomendação
técnica pela emissão de parecer prévio contrário às contas, a Corte de contas
foi unânime em aprová-las.
“Empréstimos”
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) pedalou em R$332,73 milhões
com recursos do Metrô — como revelou em
abril o jornal Valor —,
ao deixar de repassar para a companhia estatal os valores correspondentes à
compensação tarifária, entre 2011 e 2014. Após a publicação da notícia, o
Tribunal de Contas de São Paulo, que não havia registrado a manobra – pelo
menos não nos pareceres prévios referentes aos exercícios de 2013 e 2014 –,
solicitou então informações ao Governo estadual sobre o caso, que poderá ser
abordado nas contas de 2015.
Alckmin não foi o único a fazer espécies de
empréstimos dentro do próprio Governo. No Distrito Federal, o governador Agnelo
Queiroz (PT) – cujos sucessivos recursos impediram, até o momento, o julgamento
das contas de 2014 – teve a contabilidade de 2013 aprovada com ressalvas. O
TC-DF apontou que não foi investido um real sequer em seis dos 30 fundos
setoriais – de apoio à pesquisa, ao esporte, de fomento à indústria, entre
outros. Treze fundos tiveram ainda execução reduzida, inferior à metade do que
havia sido disponibilizado.
Além
disso, no encerramento do exercício financeiro daquele ano, o Governo
determinou que os saldos não utilizados pelos fundos até 26 de dezembro fossem
devolvidos, o que afronta a Lei de Finanças Públicas. Ela determina que, salvo
determinação em contrário, os recursos remanescentes devem ser mantidos no
mesmo fundo no ano seguinte. Somente o Fundo de Apoio à Pesquisa foi ressalvado
da aprovação das contas. O TCE recomendou ao Governo reavaliar a necessidade e
viabilidade dos demais.
O
Tribunal de Contas do DF também ressalvou da aprovação o descumprimento da meta
de resultado primário previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2013.
Inicialmente superavitária em R$ 10 milhões, ela foi reduzida, dentro do
exercício, para um déficit de R$ 510 milhões. Ainda assim, o Governo não
conseguiu atingi-la, terminando o ano no vermelho em R$ 1,2 bilhão – pior
resultado no DF, até então, frisou o TC-DF, desde a edição da LRF, em 2000.
No Espírito Santo, o MP de
Contas se manifestou pela emissão de parecer prévio contrário à contabilidade
de 2014 de Renato Casagrande (PSB). O órgão considerou que houve uma pedalada
de R$531,8 milhões nos recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino,
montante realocado para o pagamento de benefícios previdenciários a servidores
públicos inativos e pensionistas. Com a espécie de empréstimo, o Governo acabou
por não cumprir o investimento mínimo em educação previsto na Constituição
Federal.
Além
disso, o MPC-ES também apontou a realização de despesas sem prévio empenho na
ordem de R$ 300 milhões, além do cancelamento indevido de empenhos, levando a
imprecisões e irregularidades nos demonstrativos fiscais do Governo, “além de impossibilitar o conhecimento
da real disponibilidade de caixa do Estado ao final do exercício financeiro de
2014”. A manobra também teria empurrado despesas para o exercício
seguinte. O TCE-ES, entretanto, se manifestou de forma unânime pela aprovação
de parecer prévio favorável às contas.
Tocantins, Mato Grosso e Bahia
No
Tocantins, a Lei Orçamentária Anual para 2014, de responsabilidade do
governador Siqueira Campos (PSDB), foi criticada pelos auditores do TCE por
apresentar limites para a abertura de créditos suplementares apenas para parte
das despesas, contrariando a Constituição Federal. Não foram estabelecidos
limites para suplementação de gastos com convênios, amortização da dívida,
pessoal e encargos, entre outros. Campos e o vice renunciaram em consequência
de articulações eleitorais, tendo sido Sandoval Cardoso (SD), então presidente
da Assembleia Legislativa, eleito para o comando estadual por meio de uma
eleição indireta. Os auditores apontaram que, ao contrário do que indicou o
Governo, não havia disponibilidade de caixa para honrar todas as despesas dos
últimos meses de mandato. Apesar de o Poder Executivo alegar disponibilidade de
caixa líquida, ao final do exercício, de R$ 431,2 milhões, se incluídas as
despesas “esquecidas”, de R$ 681,1 milhões, o valor na verdade seria negativo
em R$250 milhões.
Sinval
Barbosa (PMDB), governador do Mato Grosso,
foi outro cuja Lei Orçamentária Anual, em 2014, não estipulou limites para a
abertura de créditos adicionais em determinados setores, o que “significa um verdadeiro ‘cheque em
branco’”, conforme pontuou o MP de Contas de Mato Grosso. “Na prática, houve uma subversão das
regras constitucionais e legais das regras do processo orçamentário”,
diz ainda o parecer da instituição sobre os R$1,13 bilhão.
Além
disso, os dados entregues pelo Governo mato-grossense confundiram os auditores
do TCE-MT quanto ao cálculo do superávit financeiro. De um documento para
outro, o montante saltou de R$ 950 milhões para R$ 4,8 bilhões. “Note-se que não se trata de mera
disparidade formal. (…) Isso sinaliza que os créditos adicionais foram abertos
sem uma referência segura de recursos para custeá-los, o que, por si só, já
implica desobediência das normas relativas ao equilíbrio financeiro”,
repudiou o MP de Contas, que votou contra a aprovação da contabilidade de
Sinval Barbosa. O TCE, contudo, promoveu a aprovação sem ressalvas, apenas com
recomendações.
A
auditoria do TCE da Bahia apurou que o Governo Jaques Wagner
(PT) não computou na despesa com pessoal de 2014 um total de R$ 228,3 milhões
referentes a despesas com prestadores de serviços temporários e ao desconto
indevido de parte do 13º salário de 91.743 servidores, o que teria ocorrido por
falha no processamento da folha de pagamento. Caso tivesse sido incluído, o
montante oculto elevaria as despesas com pessoal do Poder Executivo de 45,48%
para 46,36% da Receita Corrente Líquida. Com isso, o Estado ultrapassaria o
limite de alerta previsto na LRF (46,17%), apontou a auditoria, e sofreria uma
série de restrições, como a proibição de criação de cargos, de concessão de
aumentos a servidores (com algumas poucas exceções) e contratação de horas
extras.
Exceções
Embora
tenham desrespeitado pontualmente a LRF, não é possível afirmar que alguns
governadores tenham pedalado, uma vez que não houve maquiagem de dados
contábeis, abertura de créditos adicionais sem autorização legislativa ou em
valor superior ao permitido, ou ainda a tomada de “empréstimo” de fundos e
empresas estatais. É o caso de Simão Jatene (PSDB-PA), Jackson Barreto
(PMDB-SE), e José Melo (Pros-AM). Apesar disso, o pouco rigor dos Tribunais de
Contas pode ser percebida em alguns casos, como em Sergipe.
Eleito
vice, Jackson Barreto assumiu o Governo em dezembro de 2013, após a morte do
então governador Marcelo Déda (PT). O peemedebista teve as contas aprovadas com
ressalvas pelo TCE. A Corte puxou a orelha do Executivo estadual pela
manutenção de elevados gastos com pessoal, desde 2011, em patamar superior ao
limite prudencial da LRF. Em 2014, o montante de despesas com a folha de
pagamento do Poder Executivo alcançou 48%. Foi quando o TCE finalmente se
manifestou com maior rigor, ameaçando reprovar a contabilidade estadual nos
exercícios seguintes caso não sejam adotadas medidas efetivas para sanar o
problema.
No
Amazonas, embora não tenham sido identificadas pedaladas nas contas de Omar
Aziz (PSD) e José Melo (Pros-AM), com base na auditoria e no parecer prévio do
Tribunal de Contas, a Lei Orçamentária Anual aprovada pelo primeiro e executada
principalmente pelo segundo – Aziz renunciou em abril para concorrer ao Senado
Federal – chama a atenção pela generosíssima margem de realocação de recursos
estipulada, de até 40% do orçamento inicial. Assim, por mais que ao final do
exercício o Executivo tenha aberto R$ 4,6 bilhões de créditos suplementares,
representando 31,48% do que fora inicialmente previsto na LOA, não houve
irregularidade.
Em
algumas unidades da Federação, o ritmo de apreciação das contas pelos tribunais
é tão lento que mandatos chegam ao fim sem que se saiba como o dinheiro
público foi gerido na
maior parte do tempo. São os casos do Piauí, cujo último ano em que houve
elaboração de parecer prévio pelo TC foi 2012, e de Rondônia (2011). Além disso, a reportagem não
teve resposta sobre os pedidos de documentação relativa às contas de Mato Grosso do
Sul, Roraima, Acre, Alagoas e Amapá.
Fonte: Pragmatismo Político
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