"EU VEJO O FUTURO, TENTAR, REPETIR O PASSADO.
Por Eduardo Guimarães
Em meados de 1991, a imprensa começou a divulgar
denúncias envolvendo o círculo próximo de Fernando Collor de Mello, como
ministros, amigos e até a então primeira-dama, Rosane Collor. Menos de um ano
depois (em maio de 1992), a revista Veja, que construíra a imagem dele como
“caçador de marajás”, publica entrevista de Pedro Collor de Mello, irmão do
presidente, em que este denunciou o dito esquema de corrupção, que envolvia o
ex-tesoureiro da campanha colorida, Paulo César Farias.
Em 27 de maio de 1992, uma Comissão Parlamentar de
Inquérito é instalada para apurar a responsabilidade do presidente sobre os
fatos divulgados. Em 1° de junho, a CPI começa seus trabalhos, que passam a ser
acompanhados, a cada passo, pela grande imprensa. A Revista IstoÉ publica, em
24 de junho, matéria na qual Eriberto França, motorista da secretária de
Collor, revela que pagava despesas pessoais do presidente com dinheiro de conta
fantasma mantida por PC Farias, reforçando a tese do irmão do presidente
Em 2 de outubro é aberto o processo de impeachment
na Câmara dos Deputados, impulsionado pela maciça presença do povo nas ruas,
como o movimento dos caras-pintadas.
Collor começou a cair no dia 20 de setembro de
1992, poucos dias antes de a Câmara instalar o processo de impeachment, quando
foi à tevê, em rede nacional, fazer um pronunciamento contra a abertura do
processo legislativo contra si. Em tom de desafio, tentou usar sua oratória
quase perfeita para tentar mudar os ventos da política.
Poucos dias depois, em solenidade no Palácio do
Planalto, o ainda presidente da República jogou sua última cartada: convocou os
brasileiros a saírem à rua vestindo verde e amarelo em apoio a ele mesmo e ao
seu governo.
Como todos sabem, o chamamento de Collor foi um
desastre – para ele mesmo. No domingo seguinte, milhares de jovens, os famosos
caras-pintadas, vestiram-se e pintaram os rostos de preto e saíram às ruas
clamando pela deposição do presidente da República.
As comparações entre a saga collorida e o
calvário enfrentado pela presidente Dilma Rousseff têm sido frequentes na
mídia antipetista e nas declarações da oposição, apesar das enormes diferenças
entre um caso e outro. Dilma não foi alvo de denúncia pessoal. Apesar disso,
foi alvo de um parecer tabajara encomendado pelo ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso e emitido pelo jurista Ives Gandra Martins,
prontamente desmontado por uma longa fila de juristas – aqui e aqui.
Apesar disso, os pistoleiros contratados por
Globos, Folhas, Vejas e Estadões para manter o PT e o governo Dilma sob fogo
cerrado vêm espargindo a teoria de que, tal qual ocorreu com Collor, apesar da
falta de elementos contra si a presidente da República pode, sim, ser alvo de
impeachment porque esse é um “processo político” que, tal qual o de Collor,
dispensa provas para ser levado a cabo.
De fato, apesar de Collor ter sido deposto – ou
levado a renunciar, porque o fez antes de o Congresso votar seu impeachment –
ele nunca foi condenado por nada, na Justiça. Não havia elementos suficientes
para uma condenação. Inúmeros juristas consideraram a denúncia judicial inepta.
Porém, contra Collor não faltaram denúncias pessoais. A começar de seu irmão e
do motorista Eriberto França, que afirmou que ia buscar propinas em nome do
então presidente.
O processo de impeachment contra Collor, porém, atendeu
a um clamor da sociedade que se fazia ouvir desde o confisco da poupança,
levado a cabo no limiar de seu desastroso governo. A grande ironia é que a
medida que a então ministra Zélia Cardoso de Mello adotou visando exterminar a
inflação galopante com uma “bala de prata”, como se dizia à época deixou a
esquerda perplexa e a direita indignada. Collor se indispôs com a direita
midiática naquele momento.
De volta ao presente, o que se vê são tentativas
dos pistoleiros midiáticos não só no sentido de levar a cabo um processo
parecido contra Dilma, mas, como o leitor verá a seguir, de reproduzir evento
que foi a pá de cal no governo Collor. Qual seja, o gigantesco protesto dos
caras-pintadas.
Esse protesto convocado para meados do mês que vem,
no entanto, não guarda qualquer semelhança com o levado a cabo contra Collor.
Está sendo organizado pelos grupos que pedem a volta da ditadura militar,
sendo, pois, um movimento de ultradireita, enquanto que o legítimo movimento
dos caras-pintadas teve, à frente, a União Nacional dos Estudantes, a Central
Única dos Trabalhadores e tantos outros movimentos de esquerda.
Todavia, farsas não requerem precisão histórica.
Eis por que os pistoleiros da grande mídia antipetista já tentam reproduzir o
golpe final no governo Collor.
Na última terça-feira, o blogueiro da Globo Ricardo
Noblat aproveitou-se de uma iniciativa ingênua de alguns militantes do PT no
Facebook de convocarem – sem apoio do partido – uma contra-manifestação em
resposta àquela convocada pelos golpistas para 15 de março para estabelecer uma
comparação entre a a manifestação contra Collor em 1992 e a manifestação contra
Dilma no mês que vem.
Abaixo, a tentativa de Noblat de transformar Dilma
em Collor.
Como se vê, o blogueiro da Globo até admite que não
existe base sequer parecida nos delírios golpistas contra Dilma com as razões
concretas que levaram Collor ao impeachment, mas “argumenta” que mesmo sem
elementos mínimos para abertura do processo a Câmara, comandada por Eduardo
Cunha, pode jogar no lixo 54 milhões de votos, configurando um “golpe
paraguaio” como o que este Blog anunciou tantas vezes que seria tentado.
Este blogueiro, vendo a tentativa de enganar o
público anunciando uma orientação do PT que nunca existiu, tratou de tentar
esclarecer o caso pedindo informações sobre a suposta contra-manifestação do
partido no dia da marcha golpista. Ao que recebeu resposta do vice-presidente
nacional do PT, Alberto Cantalice.
Além disso, Cantalice ainda divulgou mensagem
em redes sociais negando qualquer iniciativa do PT no sentido de promover o que
seria uma sandice, pois encontro dos grupos anti e pró Dilma poderia provocar
um banho de sangue, haja vista nos ânimos exaltados dessas facções, sob
insuflação incessante da mídia.
Com esse post mentiroso, o blogueiro da Globo mata
dois coelhos com a mesma cajadada: divulga o protesto e ainda estimula quem
pensa como ele a sair de casa para participar.
O plano de Noblat et caterva, porém, tem uma falha.
Em 1989, Collor saiu candidato por uma legenda de aluguel, o então chamado
Partido da Reconstrução Nacional (PRN), que já fora Partido da Juventude,
criado em 1985 no âmbito do processo de redemocratização que culminou com a
eleição do mesmo Collor.
Em 1992, o PRN, que mal existia, ficou assistindo,
impotente, à deposição de Collor. Tratava-se de mera legenda de aluguel, sem
ideologia, sem lideranças de peso. O PRN era uma farsa destinada a emoldurar a
imagem de “novidade” que cercava o “caçador de marajás” inventado por Veja.
O PT, por mais que tenha sido afetado pela campanha
de difamação da mídia antipetista, ainda é o maior partido político brasileiro
em termos de militância e de base social. Supostamente, tem ao seu lado
movimentos sindicais e sociais históricos como CUT e MST, que, por mais que
estejam indispostos com Dilma, diante de uma tentativa de “golpe paraguaio”
acabarão se mexendo, pois sabem muito bem que a volta da direita ao poder os
dizimaria.
Passado o Carnaval, a tese do impeachment irá
ganhar força simplesmente porque a direita midiática sabe que os ajustes que
Dilma Rousseff vem promovendo na economia deverão funcionar e lá por 2016 o
Brasil deve começar a crescer de novo, mais uma vez com distribuição de renda,
diminuição do desemprego e valorização dos salários. Desse modo, para os
golpistas é agora ou nunca. Falta, porém, combinar com “os russos”, ou seja,
com a ainda consistente base social e política do PT.
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