segunda-feira, 18 de setembro de 2017

JOSÉ SARNEY RECLAMA EM ARTIGO: "AGORA TODO MUNDO É QUADRILHEIRO"!

A crise atingiu as palavras

Da Coluna do Sarney

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As palavras estão numa crise pior do que a nossa crise política e econômica: deixaram de significar o que realmente são, no milagre da língua. Levou milênios para que fossem construídas pelos homens na junção dos sons. Além da criação de linguagens alternativas, com abreviação de palavras e construções anômalas, tão comuns na linguagem dos jovens, agora surge uma nova língua, criada pela internet, sob a pressão do instante, que exige rapidez e compactação para ganhar espaço e tempo.
Ouvi outro dia de um professor de português, desses que fazem programa de rádio procurando popularizar o ensino da língua, a seguinte advertência: “Se você quiser errar no português, leia as manchetes dos jornais. São sempre erradas. E não têm ordem direta, nem indireta. Só erros.”
Assim, só para dar um exemplo, quadrilha não é mais dança de São João, tão alegre e solta nos seus sons e rodopios, mas agora é sempre um ataque, um palavrão para atingir adversários.
Lembro-me do poema de Drummond Quadrilha, em que J. Pinto Fernandes entra na história, sem ter nada a ver com ela.
Esta é a lógica das denúncias que agora circulam nos jornais: todo mundo é quadrilheiro. E nisso não respeitam nem presidentes, nem governadores.
É como dizia um poeta maranhense da velha guarda, muito criticado por nós, àquele tempo jovens: “É o jogo da semântica.”
Não resisto a repetir o poema de Drummond:
João amava Teresa que amava Raimundo que amava [Maria que amava Joaquim que amava Lili
/ que não amava ninguém.
/ João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
/ Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
/ Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
/ que não tinha entrado na história
Agora, com esse mar de delações, chamadas de colaboração – já tive oportunidade de dizer isto nesta coluna: com as palavras em crise, traidor transformou-se em delator; delator, em colaborador; e colaborador será heroidador -, teremos que reestudar a História para recuperar os personagens. Judas Iscariotes, por exemplo, não é mais traidor, nem delator, e sim um colaborador que ajudou a crucificar Jesus Cristo.
Bequimão, o nosso grande herói (e o Maranhão é injustiçado, porque foi dele o primeiro grito de independência do Brasil), teve como delator Lázaro de Melo, que agora passa a colaborador.
Tiradentes (estou me repetindo) nos deixou como herança, para desgraça do Maranhão, os ossos de Joaquim Silvério dos Reis, que estão enterrados na Igreja de São João e que agora passaram a ser de um colaborador.
É como eu disse no princípio: as palavras estão em crise. E o dr. Rodrigo Janot ficará na História por dar essas contribuições ao léxico brasileiro.
É melhor ficar com o Drummond: quadrilha de dança e de amor, frustrado ou realizado.
José Sarney

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