Nestes
tempos em que nada cai no esquecimento, dada a perenidade que a internet
confere aos fatos, é curioso ouvir o que se fala sobre um dos mártires
brasileiros, Tiradentes, cuja data de morte é feriado em terras brasileiras, em
21 de abril.
Para reconstituir o
perfil desse mártir, escolhi as artes plásticas. O quadro mais antigo do pintor
paraibano Pedro Américo, Tiradentes
esquartejado, foi pintado em 1893, mais de cem anos após os fatos de sua
morte. Atualmente a tela está em São Paulo, no museu do Ipiranga. Nele se
estampa toda a brutalidade e crueza da Coroa, que não somente expôs o corpo do
inconfidente aos pedaços, para servir de exemplo, como também destruiu a casa
de Tiradentes, salgou o lugar e infamou sua descendência.
O segundo quadro
retrata a prisão de Tiradentes, ainda com as roupas de alferes. Sua postura
ereta, a arma em punho, o queixo desafiador ante os soldados que estão parados
na entrada refletem uma ideia já há muito consolidada no imaginário brasileiro.
Um herói não vacila. Ele encarna a valentia, o destemor, talvez uma certeza
profunda que o leva a se insurgir contra um Estado explorador.
A prisão de
Tiradentes também foi pintada por Antonio Parreiras, em 1914, a pedido do então
presidente do estado do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros. Atualmente é
peça do museu Júlio de Castilhos em Porto Alegre.
Por fim, a obra mais
impressionante, não pelo impacto imediato, mas por fechar uma composição que
dá, à biografia de Tiradentes, uma imagem que não deixa de ser uma versão que
se tornou a verdade sobre sua história. Tiradentes
ante o carrasco é um trabalho de Rafael Falco, exposto pela primeira
vez, em 1951, em São Paulo, no XVI Salão Paulista de Belas Artes. A cena
retrata o que ocorreu na manhã de 21 de abril de 1792. Em pé, o prisioneiro
como que hesita ao se dirigir ao carrasco que traz à mão a alva, camisolão
branco que o condenado deveria vestir para a execução, e a corda, para a forca.
Tiradentes passa
grande desamparo. Ao redor, dois padres. Um deles reza um breviário; o outro
olha com compaixão para Tiradentes. Os soldados têm uma postura não de ameaça,
mas quase de reverência. Com exceção de um dos padres, todos têm o olhar
naquele que seria executado. Ao fundo, um oratório em que se encontra um
crucifixo iluminado por dois castiçais com velas acesas.
Há duzentos e vinte
seis anos o homem Joaquim José da Silva Xavier, nome de batismo de
Tiradentes, foi executado por ser um dos membros do que ficou
conhecida como Inconfidência Mineira, movimento que almejava libertar o Brasil
do domínio da coroa portuguesa, o que o colocou no panteão dos heróis
nacionais.
O alferes Joaquim,
patente militar de Tiradentes, superior ao de aspirante a oficial e inferior ao
de tenente, em sua atividade para a força armada, a serviço da coroa, pôde
perceber o processo de exploração que a Colônia sofria. Parte de seu trabalho
como militar era resguardar a estrada do Caminho Novo por onde se escoavam os
minérios para o porto do Rio de Janeiro. Ali, Tiradentes comandou um batalhão
de Dragões, cuja função era proteger o transporte do minério na rota marítima
para Portugal.
Curiosamente, a
palavra alferes, de origem árabe, significa cavaleiro, escudeiro, o que se
adequa, quase como uma profecia ao lugar que Tiradentes veio a ocupar na
chamada Conjuração Mineira. Sua história é inspiradora, independente da
moldagem que sofreu, por exemplo, nos quadros cujos temas representam os atos
finais de sua carreira como inconfidente.
Naquele homem se
esmagava um anseio, uma busca por justiça. Todo herói é uma projeção
para além do homem. Sobre sua história real, camadas são adicionadas que
apresentam e representam um ser idealizado, talvez para atender a um anseio
nosso por um livramento nos dias difíceis.
O Brasil, que
continuou seguindo após a morte de Tiradentes, se ressente da ausência de
homens de estatura elevada, nobreza e caráter, vez que restam poucos entre
aqueles que atendem ao chamado para valorização da pátria. Talvez esteja na
hora das novas gerações aprenderem que, embora a liberdade requeira um caro
preço, seus frutos são eternos.
Natalino
Salgado Filho
Professor
Titular da UFMA e membro das Academias: Nacional de Medicina e de Letras do
Maranhão
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